Marcelo Canellas, repórter do Fantástico que foi atacado por causa de uma reportagem sobre o mapa da fome, publicou um longo texto nas redes sociais falando sobre o papel do jornalismo em um país com tanta desigualdade social como o Brasil. No último domingo (22), o programa jornalístico da Globo revisitou famílias pobres que Canellas e o repórter cinematográfico Lúcio Alves haviam encontrado no início dos anos 2000. Vinte anos depois, a equipe da emissora líder constatou que a situação continua a mesma.
Em uma plataforma de fotos, Marcelo Canellas contou que os xingamentos começaram antes mesmo do material completo ser exibido na televisão. “Uma grande história sempre se impõe. A potência do jornalismo está em sua insubmissão. E por ser avessa a teses a priori, por refutar ideias pré-concebidas, por não aceitar encilhamento, por ancorar-se na força indomável da vida, a reportagem de prospecção causa tanto desconforto. Eis a missão mais urgente do jornalismo num país injusto como o Brasil: incomodar os omissos, causar náuseas nos indiferentes, perturbar os negacionistas escancarando o que eles gostariam de esconder”, começou.
“Antes mesmo da reportagem especial desta [domingo, dia 22 de janeiro] noite ir ao ar no Fantástico, assim que as chamadas começaram a ser veiculadas durante a semana, minha caixa postal ficou abarrotada de xingamentos que terminavam com perguntas acusatórias. ‘Para que filmar a pobreza?’, ‘Por que em vez de mostrar não entregaram cestas básicas?’, ‘Por que expor tanta tristeza em vez de ajudar?’. A todos expliquei os porquês de mostrar: porque é inaceitável e porque é injusto”, explicou o repórter.
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“E aos que julgam os outros à luz de suas próprias debilidades morais, esclareço: eu e meu parceiro de ofício e utopias, Lúcio Alves, não acreditamos na assepsia emocional do jornalista diante do fato. Nos comovemos e, tanto hoje como há 20 anos, fomos deixando uma conta de luz paga aqui, uma cesta básica acolá, apoio frustrante de quem sabe que um ajutório fugaz não é solução para nada”, disse o profissional. Segundo a reportagem, o número de brasileiros em situação de “insegurança alimentar” despencou entre 2004 e 2013.
No entanto, o indicador voltou a subir em 2022 e constatou que 33 milhões de brasileiros não tem comida garantida na mesa. “Somente uma política de Estado consistente, estruturante e duradoura será capaz de enfrentar os efeitos da desigualdade perversa que nos envergonha. A luta contra a fome é também uma batalha retórica contra a sua negação. E por vezes, tristemente, quem nega o faz por sentir-se humilhado. Por esses, tenho compaixão. Aos cínicos, tenho más notícias: o jornalismo continuará botando o dedo na ferida até que o poder cicatrizante da justiça social nos cure dessa chaga”, concluiu o repórter do Fantástico.