Isabela Scalabrini, repórter do Jornal Nacional, deixou a Globo após 44 anos de contrato. Em comunicado interno divulgado nesta terça-feira (31), Ali Kamel, diretor de Jornalismo da emissora líder, anunciou a saída da jornalista. De acordo com o executivo, a própria profissional o procurou, em 2020, para dizer que estava se preparando para encerrar o vínculo com a empresa. “Ela me explicou que queria mais tempo para si, depois de 44 anos na emissora. Combinamos de voltar a conversar, e o fizemos no ano seguinte, eu com uma pontinha de esperança de que ela tivesse mudado de ideia”, disse o chefão em e-mail aos colaboradores.
“Isabela ficou conosco ainda em 2021 e 2022, mas sinalizando que sairia. No final do ano passado, me procurou mais uma vez e marcou a saída para esse final de janeiro. Eu entendi as razões dela e combinamos de fazer o anúncio hoje. Na conversa, ela me disse uma verdade que deve inspirar todos os que são apaixonados por jornalismo: ela se sente plenamente realizada e diz que olha para trás e só sente orgulho. Ela tem razão”, continuou Ali Kamel no comunicado de despedida.
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Natural do Rio de Janeiro, Isabela Scalabrini entrou na Globo em 1979 e foi uma das primeiras jornalistas a trabalhar na cobertura esportiva na televisão. Foi editora e apresentadora do MG1, da Globo Minas, em Belo Horizonte, entre 1998 a 2019. Atualmente, ela atuava como repórter dos noticiosos locais e dos telejornais de rede, como Jornal Hoje e Jornal Nacional. “É importante que a população se identifique, se veja na televisão. Somos um porta-voz da comunidade junto às autoridades e tentamos mostrar que as pessoas têm obrigações, mas também têm direitos. E isso pode ampliar os horizontes”, disse ela em depoimento ao projeto Memória Globo.
Leia o texto de Ali Kamel sobre a saída da jornalista Isabela Scalabrini da Globo após 44 anos na emissora:
Em 2020, pouco antes da pandemia, Isabela Scalabrini me procurou dizendo que estava se preparando para encerrar sua colaboração com a Globo. Ela me explicou que queria mais tempo para si, depois de 44 anos na emissora. Combinamos de voltar a conversar, e o fizemos no ano seguinte, eu com uma pontinha de esperança de que ela tivesse mudado de ideia. Isabela ficou conosco ainda em 2021 e 2022, mas sinalizando que sairia. No final do ano passado, me procurou mais uma vez e marcou a saída para esse final de janeiro. Eu entendi as razões dela e combinamos de fazer o anúncio hoje.
Na conversa, ela me disse uma verdade que deve inspirar todos os que são apaixonados por jornalismo: ela se sente plenamente realizada e diz que olha para trás e só sente orgulho. Ela tem razão.
Em 1979, Isabela cursava a universidade à noite e trabalhava de manhã na Rádio Nacional, como repórter de rua. Foi aprovada no concurso de estágio da Globo depois de fazer provas de conhecimentos gerais ao lado de centenas de candidatos (quase como um vestibular) e, depois, já num grupo menor, de passar por entrevistas seletivas com editores do JN. Foram aprovadas dez mulheres. O estágio durou cerca de um ano e Isabela passou por todos os setores do jornalismo. O contrato foi assinado em janeiro de 1980.
A primeira missão depois de ser efetivada foi trabalhar na salinha da apuração da Editoria Rio. Conversava com bombeiros e policiais nas dezenas de rondas pelo telefone – era ali que um repórter aprendia a fazer perguntas. Fez a primeira reportagem para o JN naquele período. No tempo da película, havia uma quantidade sempre muito pequena de filme na câmera: mas ela fez uma “passagem” e uma entrevista sem errar (“de blusa azul”), ela me contou na nossa última conversa. Em seis meses, surgiu uma vaga no departamento de esportes e ela transferida. Foi pioneira.
Na década de 1980, havia pouquíssimas mulheres no jornalismo esportivo – só algumas em rádio e jornal. Na Globo, a repórter Mônika Leitão foi escalada para a Olimpíada de Moscou (1980), mas logo depois pediu demissão. Isabela foi assim, por muitos anos, a única mulher na nossa equipe esportiva. Nos estádios, em dias de jogos, o público reagia com todo tipo de brincadeira preconceituosa quando ficava no campo. A pergunta que mais ouvia era: “Você entende de futebol?”. Ela não entrava no vestiário, claro. Eram os jogadores que iam até a porta para a gravação. Mas nunca deixou de noticiar algum fato e nem foi desrespeitada por jogadores ou treinadores. Nunca deixou de fazer reportagem esportiva por ser mulher. Ela lembra que foi Hedyl Valle Júnior quem teve a ousadia de a escalar para coberturas internacionais.
Em 1986, na Copa do Mundo do México, acompanhou a seleção da Argentina de Maradona. Era praticamente a única repórter do sexo feminino no evento. Lá, também ouviu muitas piadinhas de repórteres de várias nacionalidades. Mas foi a ela que Maradona deu uma entrevista, que começou exclusiva na concentração da equipe argentina, mas que logo virou uma coletiva com a correria dos repórteres, surpresos, tentando alcançá-la.
Na Olimpíada de Los Angeles, acompanhou a chegada da maratona feminina dentro do Coliseu. Fez a reportagem sobre o esforço da suíça Gabrielle Andersen para completar a prova: contorcendo-se em câimbras, não permitiu que ninguém a tocasse até cruzar a linha de chegada (para somente então cair ao solo e ser atendida). A imagem é considerada uma das mais importantes do esporte mundial.
E, nos Jogos Olímpicos de Seul, fez a polêmica entrevista com o corredor Joaquim Cruz em que ele denunciou o uso de anabolizantes pelos atletas americanos depois da desclassificação do canadense Ben Johnson, por doping. A entrevista teve repercussão no mundo inteiro. Joaquim treinava com eles nos EUA e, depois de ser muito criticado por acusar outros atletas de doping, abandonou a Olimpíada. Ele tinha ganhado medalha de prata poucos dias antes, nos 800 metros, e desistiu de correr os 1.500 metros.
Foram muitas histórias inesquecíveis na cobertura esportiva. Até recentemente era convocada para falar sobre esse pioneirismo no futebol. Depois de doze anos, foi convidada para trabalhar na Editoria Rio em 1993. Do período, destaco as coberturas que fez da Chacina da Candelária e do assassinato de Daniela Peres. Em tantas décadas, teve o privilégio de entrevistar Ayrton Senna, Pelé, Tom Jobim, Luciano Pavarotti, Kurt Cobain e tantos outros. E de conhecer o mundo. Cobrir o carnaval carioca era uma das suas paixões. Foram mais de trinta anos ao vivo na Avenida! Várias entrevistas feitas por Isabela estão em documentários recentes do GloboPlay, o que demonstra a relevância e a qualidade delas – Pepê, Castor de Andrade e Garrincha. Vale conferir.
Em 1998, uma guinada. Mudou-se para Belo Horizonte, onde ficou por mais vinte e cinco anos. Apresentou o MG TV de 1998 a 2019 e, hoje, é uma personalidade mineira, respeitada por todos, parada nas ruas, os espectadores reconhecem o profissionalismo dela. Dia sim, dia não, ainda em janeiro, estava no JN e nos locais de BH com seu talento. Uma profissional completa.Ao me despedir de Isabela com esse texto, destaco o meu respeito por ela. E, em nome da Globo, agradeço o jornalismo que praticou aqui: pioneirismo aliado à alta qualidade!
Obrigado,
Ali Kamel