O fim da Loading foi um evento que virou a internet de ponta-cabeça. Passada uma semana desde o anúncio e sem perspectivas de reversão do quadro, é melhor partir direto para a quinta fase do luto: a aceitação. A coluna dessa semana será escrita muito mais com a emoção do que com a razão – jamais desconsiderando os fatos e os deméritos do assunto no meio tempo.
Para quem diria que o canal teria uma vida longa e próspera, a pedra no meio do caminho se mostrou até que bem cedo: endividada, a sua principal investidora, a Kalunga, abandonou o projeto. A receita da emissora ainda era baixa – seus frutos estavam começando a aparecer através de novos patrocinadores dentro e fora das suas produções.
Os programas carros-chefes do canal como Multiverso, Mais Geek e, mais recentemente, o (Esquenta) MVP – O Melhor do Esport já estavam experimentando publicidades e intervalos já contavam com alguns poucos patrocinadores. Surpreendente para um projeto com apenas seis meses, não? Para a Kalunga, não.
A demissão dos mais de 60 profissionais do canal foi feita em uma reunião com Anderson Abraços – o Haterman –, um dos executivos do canal, pouco antes da entrada ao vivo do Multiverso às 18h da quinta-feira passada, 27 de maio. Embora ele tenha sido culpado de tudo para o público, a sua demissão foi anunciada logo em seguida pela direção da emissora.
O indício do fim já se mostrava antes mesmo do anúncio: seu programa Enter Night, talk-show que traria na bagagem as estreias exclusivas das dublagens em português dos animes Mobile Suit Gundam 00 e Fairy Tail, foi cancelado antes mesmo de entrar no ar, mesmo com um programa gravado e finalizado que traria uma entrevista com um dublador de sucesso. Os animes, no entanto, chegaram a estrear aos sábados e domingos dentro de edições extras gravadas do Mais Geek, produzidas para tapar o buraco do novo programa.
No próprio dia 27, Jeff Kayo, um dos nomes do canal que apresentava programas como o Maratoon dominical e o Mais Geek, fez uma transmissão ao vivo na Twitch com diversos apresentadores, produtores, editores e executivos que até então, provavelmente estariam trabalhando em suas produções para o canal no momento. Em clima de funeral, o público não falava de outra coisa: todos queriam saber os detalhes do fim súbito do canal.
Entre os detalhes da live que durou em torno de seis horas, respostas foram dadas. A notícia da demissão realizada pelo Haterman citada acima, por exemplo, foi esclarecida ali mesmo com ele no canal. Querido pelo público e pelos colegas de canal, foi claro em lembrar que a ordem veio de cima e que ele foi incluso logo depois. Com o fim do canal, uma das dublagens exclusivas que iriam ao ar dentro do seu talk-show cancelado revelou estar com um destino indefinido. Fairy Tail parece já estar encaminhada para uma plataforma, mas Gundam 00 ainda não tem uma nova casa para chamar de sua, mesmo já tendo seu trabalho de dublagem aparentemente finalizado.
A Kalunga/Spring também foi criticada pela saída súbita e confirmada como a principal culpada da série de eventos que premeditaram o fim do canal, juntamente com a péssima gestão da diretoria do canal, liderada por Thiago Garcia. Além de não ter prestado esclarecimento algum, o “CEO” da emissora distribuiu bloqueios nas redes sociais para funcionários e para espectadores que questionaram as razões por trás do encerramento das produções do canal.
Após o luto, os ex-funcionários se divertiram na transmissão, revelando segredos como o sucesso de público que era o dorama (drama coreano) A Lenda – Um Luxo de Sonhar. Para eles, era o “Chaves” da Loading: sempre que ia ao ar, aumentava a audiência.
O Funimation TV, embora bom de audiência no horário, teve um final súbito após os últimos capítulos de Claymore e Stand My Heroes: Piece of Truth. O programa foi encerrado por conta do fim do contrato com a Funimation, plataforma de streaming que licenciava os animes para exibição na emissora. Além dos citados, My Hero Academia, Overlord e Attack on Titan vinham da plataforma e foram grandes sucessos de audiência (com as devidas proporções), dada a popularidade das produções. Foi revelado que a Loading não quis renovar o contrato por falta de orçamento.
Outro programa que deixou a grade sem previsão de retorno foi o TV Clube Coreia. O programa sobre cultura coreana apresentado por Yoo Na Kim já passou por canais como Rede América, Rede Brasil e CNT e saiu do ar da Loading com a justificativa da crise sanitária, embora seu projeto de crowdfunding dê pistas sobre os motivos que trouxeram a extinção do programa da grade. Nos últimos dias, o programa repetia conteúdos gravados na Coreia do Sul antes da pandemia e mesclava clipes de K-Pop.
Atualmente, o projeto recorre aos espectadores para sobreviver: uma vaquinha para financiar o retorno do TV Clube Coreia sem que precise “esperar ter patrocínio de empresas ou a emissora oferecer um tempo como tapa buraco”. Com meta de R$ 65 mil, o crowdfunding até o momento de publicação desta coluna arrecadou apenas 80 reais.
Deixando a live de lado, o público preferiu culpar o início do fim do canal após o início da sua “fase 2”, focada nos jogos e campeonatos competitivos de e-sports. O canal comprou direitos e fechou parcerias de transmissão de diversos campeonatos, vários deles com a plataforma de streaming Booyah, pertencente ao mesmo grupo dono do jogo Free Fire.
A Booyah, inclusive, merece uma menção honrosa aqui pela qualidade da plataforma. Sem quedas e altamente fluida, a transmissão online da Loading era feita através do serviço e surpreendia entregando um atraso em relação à TV tradicional praticamente nulo, tendo momentos até onde a transmissão online se encontrava adiantada em relação ao canal linear.
O baixo orçamento do canal não era obstáculo para a motivação dos funcionários – na piora da crise sanitária, os apresentadores gravaram e tocaram as atrações ao vivo diretamente de suas casas, recheados de limitações causadas pelos seus equipamentos pessoais e pela distância física dos apresentadores. O cenário do MVP – O Melhor do Esport estava pronto no antigo prédio da MTV e nunca foi usado, já que o programa estreou no advento da fase vermelha em São Paulo.
A Loading pareceu apenas uma estreia com um destino definido nas televisões pelo Brasil, mas o projeto era extremamente ambicioso. Democratizar o acesso à uma informação tão nichada como a cultura nerd jamais seria uma missão fácil e seus apresentadores sabiam disso, destacando nas redes sociais a diferença que o canal fazia na vida de pessoas mais carentes.
Muitos descobriram as animações japonesas pelo canal, embora elas tivessem seu espaço em emissoras como a Rede Brasil. As transmissões de campeonatos de Free Fire, por exemplo, traziam seu público: o jogo é extremamente popular e se destaca por ser um dos únicos que funciona bem em celulares mais baratos. A final da LBFF bateu recorde de audiência.
Eu não tenho internet pra assitir Netflix essas coisas….entao eu fico o diaaa todo com vocês ❤️❤️❤️❤️❤️❤️#MultiVersoLoading
— Flávia Aguiar (@bateraflavinha) December 30, 2020
Erros aconteceram, principalmente no início da operação onde a grade de programação era mais imprevisível que as ligações de Silvio Santos ao SBT. Com o tempo, as coisas foram se ajustando até que a precisão dos horários chegava a ser milimétrica. Porém, a acionista principal preferiu errar e insistir no erro: a papelaria preferia que suas propagandas atingissem um público de classe mais alta através de periféricos gamers caríssimos. Investir em um público tão segmentado e conectado era uma decisão arriscada, mas foram as decisões que ajudaram a conta a chegar cara.
Caio Alexandre é entusiasta de cinema, exibição, animes e cultura pop em geral. Escreve desde 2008 sobre os mais variados assuntos, mas sempre assumiu a preferência pelo cinema e sua tecnologia embarcada. Não dispensa um filme com um balde de pipoca e refrigerante com o boss no fim de semana. No TV Pop, fala sobre tudo que é tendência no universo da cultura pop. Converse com ele pelo Twitter, em @CaioAlexandre, ou envie um e-mail para [email protected]. Leia aqui o histórico do colunista no site.