O ruidoso fim da afiliação da Record com a TV A Crítica foi parar na Justiça. A emissora amazonense, que ganhou visibilidade nacional por conta dos índices de audiência de Sikêra Jr. contra o Jornal Nacional, está acusando sua antiga parceira de aplicar um calote avaliado em quase R$ 700 mil. Nos documentos protocolados no processo, o canal regional afirma que o conglomerado nacional não honrou com o pagamento estipulado pelos últimos meses retransmitindo os programas produzidos em São Paulo, além de também não ter efetuado repasses previstos pela veiculação de comerciais negociados pela matriz.
A reportagem do TV Pop teve acesso aos documentos que envolvem o litígio entre as duas emissoras. Para tentar convencer o Tribunal de Justiça do Amazonas de que tem razão em sua demanda, a TV A Crítica anexou diversos documentos confidenciais dos quase 12 anos de parceria com a Record. A empresa amazonense quebrou a “caixa preta” do relacionamento da rede com suas parceiras e compartilhou até mesmo cópias de seus contratos com o conglomerado de mídia, assim como os valores pactuados entre as duas partes.
Em sua última renegociação contratual, feita no final de 2016, as duas partes acertaram sua parceria até o dia 31 de agosto de 2017. Para isso, a rede aceitou fazer repasses mensais de R$ 308.542,93 para a afiliada, além de parte da porcentagem obtida pelas vendas de propagandas feitas pelo departamento comercial de São Paulo. No entanto, a TV A Crítica acusa a Record de não ter honrado com o pagamento do reajuste combinado entre as duas partes e diz que o canal não efetuou a transferência da quantia pela retransmissão da programação de maio e junho de 2019, no valor de R$ 329.112,45.
O canal amazonense também afirma que a Record não honrou com o reajuste previsto no último aditivo contratual, tendo acumulado um débito de R$ 247.458,33 até a data em que a desafiliação foi efetivada, em 3 de junho de 2019. Por fim, a emissora também pleiteia o pagamento do débito de R$ 81.194,06 por comerciais exibidos nos intervalos do Fala Brasil, Jornal da Record, Cine Aventura, Jezabel, Novela da Tarde, Domingo Show, Topíssima, Top Chef e Esporte Fantástico entre os dias 25 de maio e 1º de junho de 2019.
A ação corre na 16ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas, mas não foi julgada. O processo foi iniciado pela TV A Crítica há quatro meses, em 14 de abril de 2021, e a Record foi intimada para se defender só dois meses depois. Em 4 de junho, a rede protocolou a sua defesa, que foi contestada pela emissora amazonense em 28 de julho.
Os bastidores da afiliação
Dentre os documentos expostos pela TV A Crítica, nenhum chama tanta atenção quanto a íntegra do contrato feito entre ela e a Record. Ao longo de 33 páginas, a rede fazia uma série de exigências para a sua então parceira, como a obrigação de retransmitir conteúdos da Igreja Universal do Reino de Deus, além de um obrigatório alinhamento da linha editorial dos telejornais locais com a linguagem adotada pela editoria nacional. A seguir, o TV Pop reproduz algumas das cláusulas mais curiosas do acordo firmado entre as duas emissoras.
A TV A Crítica obriga-se a promover por sua conta, ordem e risco, quer individualmente, quer através de pacotes com outras emissoras, a contratação dos serviços de medição de audiência fornecidos pelo IBOPE;
[…]
Compromete-se a TV A Crítica a orientar seu “editorial” e seu “jornalismo” a receber e analisar, dentro de suas particularidades e possibilidades, e aceitar e aplicar as sugestões e orientações da Diretoria de Jornalismo da Record.
[…]
Deverá a TV A Crítica, em seus programas locais, seguir a padronização da identidade visual utilizada nos programas da Record (cenários, vinhetas, logotipos dos programas, todo o pacote gráfico, e ainda, trilhas sonoras), sendo que a Record disponibilizará à emissora o suporte técnico necessário para esta adequação, ficando às expensas da emissora todos os custos para a produção e aplicação dos materiais necessários à essa padronização.
A TV A Crítica, incluindo suas estações retransmissoras, obriga-se a retransmitir na íntegra a programação religiosa, com exclusividade na sua grade de programação, bem como a exclusividade no que tange a publicidade ou inserções de conteúdo religioso, produzida no Estado e/ou exibida pela Record. A exclusividade no que tange a publicidade ou inserções de conteúdo religioso deverá ser cumprida também durante todo o horário além do horário da programação religiosa.
Pela exibição dos programas aqui citados que poderão ser transmitidos ao vivo ou gravados, não haverá qualquer custo adicional, quer seja para a Record, quer seja para terceiros, com os quais mantenha vínculo operacional e contratual.
[…]
A TV A Crítica não terá qualquer participação sobre a receita decorrente da programação religiosa, de serviços disque 0900, ou outro similar da Record.
[…]
Estabelecem as partes que o valor da remuneração mensal do presente Contrato de Afiliação passará a ser R$ 308.542,93 (trezentos e oito mil, quinhentos e quarenta e dois reais e noventa e três centavos).
[…]
No caso de haver descumprimento do prazo estabelecido no “caput” desta cláusula, a parte infratora ficará obrigada a pagar à parte lesada, a título de multa compensatória e prefixação de perdas e danos, a quantia de R$ 8.319.431,40 (oito milhões, trezentos e dezenove mil quatrocentos e trinta e um reais e quarenta centavos) que será reduzida equativamente, em função da fração do prazo que for cumprido, consoante dispõe o artigo 413 do Novo Código Civil.
Mesmo sem um vínculo contratual desde 2017, a Record e a TV A Crítica continuaram tendo uma parceria informal até janeiro de 2019, mês em que a matriz da rede de Edir Macedo demonstrou interesse de firmar um novo vínculo formal com o canal amazonense. As emissoras negociaram por cinco meses e, sem um acordo, a Record decidiu dar um ponto final no relacionamento de 12 anos com a Rede Calderaro de Comunicação. Em 8 de maio, o canal enviou uma notificação extrajudicial avisando que a parceira não poderia transmitir seus conteúdos a partir das 23h59 de 16 de junho, assim como deveria modificar sua identidade visual para não fazer menções ao conglomerado nacional.
Dias depois, em 31 de maio, a vice-presidência da Rede Calderaro enviou uma carta para a Record. Nela, o executivo Dissica Calderaro afirma que foram feitas “inúmeras tentativas de renovação do contrato por nossa parte, inclusive comparecendo à sede desta empresa” e que, já que não existia mais um contrato entre as partes, a TV A Crítica iria cortar a transmissão do sinal nacional da Record a partir da 0h01 de 3 de junho de 2019.