O mais novo barraco midiático do momento revela algo bem mais profundo que uma simples briga de egos e mágoa de um funcionário dispensado antes da hora. Ao dispensar Evaristo Costa pelo telefone, a CNN Brasil volta a provar que ainda não tem preparo algum para lidar com pessoas. Não é que o ex-apresentador do Jornal Hoje seja santo e não esteja errado em toda essa história, muito pelo contrário. Mas os gestores do canal de notícias tinham em mente que não estavam contratando um jornalista, e sim um influenciador digital, e aparentavam não se opor a isso até que o programa comandado por ele na emissora se revelou um fracasso retumbante.
Desde que pediu demissão da Globo, o antigo parceiro de Sandra Annenberg deixou claro (até demais) que não se via mais como um jornalista propriamente dito. Ele se apressou em sair do Brasil, recusando até mesmo convites do SBT para atuar no entretenimento da emissora, e apostou todas as suas fichas na carreira de influenciador. Passou a fazer comerciais de gosto duvidoso com as mais diferentes empresas e, querido pelo público por seus anos trabalhando no maior conglomerado de mídia do país, não teve dificuldades em emplacar nas redes sociais.
Diferentemente de muitos profissionais seduzidos pelo “canto da sereia”, Evaristo Costa não estava em outra rede de televisão quando foi convidado para integrar o projeto da CNN Brasil. O ex-jornalista vivia no conforto de sua quase aposentadoria, em Londres, e foi convocado por Douglas Tavolaro e seus gestores, todos cientes de que ele não tinha mais interesse em retomar a carreira jornalística. A cúpula do canal, que permanece igual até hoje (com a exceção de Tavolaro, que se desligou da empresa há alguns meses), aceitou todas as exigências mirabolantes do comunicador.
A autoproclamada “maior do mundo” não via problema em que Costa atuasse como merchandete em simultâneo ao seu trabalho como âncora de um programa de documentários. E também não viu problemas em pagar o alto salário exigido por ele em libra, moeda oficial do Reino Unido. Os executivos, por sinal, também aceitaram que ele tivesse apenas um dia de trabalho por semana, gravando offs e cabeças das reportagens do CNN Séries Originais. Afinal de contas, o que mudou para que uma das estrelas da emissora fosse chutada em uma ligação telefônica?
O canal de notícias, como qualquer veículo midiático, é guiado por números. E os números não eram nada favoráveis para o aposentado mais famoso do telejornalismo brasileiro. Seu programa na emissora perdia para vídeos de bichos fofinhos na Record News e, apesar de premiado, repercutia pouco entre os telespectadores. Na tentativa de salvar o projeto, a atração foi remanejada para as noites de quinta-feira. Não colou: a audiência continuou no traço literal, e os poucos anunciantes do programa não toparam a saída do primetime dominical para o fim de noite de um dia útil.
Do outro lado da balança, estava o salário astronômico do apresentador: na cotação atual, uma libra é o equivalente a R$ 7,22. Sem anunciantes e sem audiência, não faria sentido manter um funcionário que faz corpo mole desde o seu primeiro dia como colaborador da empresa. Até aí, compreensível e entendível. Mas a CNN Brasil aceitou que Costa tivesse essa conduta e, até então, não via problema com isso. Nas redes sociais, era habitual que ele se referisse ao canal de notícias como suas “férias eternas” e com desinteresse, como se estivesse apenas cumprindo tabela.
Os executivos da emissora, muito provavelmente, esperavam receber algum bom senso como contrapartida de todas as exigências que foram aceitas para que ele topasse voltar a televisão. Mesmo curtindo a vida de aposentado e não fazendo questão de voltar ao telejornalismo, soa estranho que um jornalista se recuse a atuar na cobertura de fatos históricos, como a morte do príncipe Philip, em abril deste ano. Não era a atuação neste caso isolado que lhe levaria de volta para o Jornalismo hard news. Mas seria uma demonstração de que, ao menos, ele seria grato ao canal pela oportunidade (e pelo salário milionário) e que não deixou de ser jornalista… em um canal de notícias.
Bom senso, porém, não é uma obrigação contratual. A CNN Brasil, lá atrás, sabia que iria contratar um influenciador mimado, e não um jornalista. Mas a rede esperava, em vão, que Evaristo Costa ainda fosse um jornalista — e a rede não pode culpar o apresentador por não ter atendido ao que ela esperava. Para todos os efeitos, ele cumpriu todas as cláusulas de seu contrato (extremamente favorável para o seu lado) religiosamente, inclusive com uma breve pausa em suas férias para gravar conteúdos para as derradeiras edições do Séries Orginais.
Não custava nada para Costa ter um pouquinho de boa vontade e atender alguns dos pedidos feitos pela rede, como a atuação na cobertura citada anteriormente. Isso teria poupado o seu emprego e o de vários colaboradores que nada tinham a ver com a contratação do ex-jornalista, mas que acabaram demitidos com a extinção precoce do programa. Ao que consta, a equipe da atração ao menos foi comunicada pessoalmente do fim do projeto, e não em uma ligação telefônica. Para contratar o influenciador, os executivos da CNN foram até o Reino Unido. Ok, estamos em uma crise sanitária, mas existem milhares de formas mais elegantes e pessoais de demitir uma pessoa do que por uma ligação.
Evaristo Costa não é o primeiro apresentador a ser demitido de forma estranha como reflexo da má-administração do canal de notícias. No ano passado, a emissora demitiu Taís Lopes depois de incontáveis mudanças de horário e, segundo uma versão que circula na Redação até os dias de hoje, a demissão foi feita depois de uma constrangedora reunião em que executivos exibiram uma pasta com fotos e vídeos dela em festas e jantares fora de seu horário de trabalho, sob a alegação de que ela era blogueira, e não uma jornalista digna do maior canal de notícias do mundo.
O ex-apresentador do Jornal Hoje não é santo, de fato. Mas isso não minimiza o fato da total incompetência da CNN Brasil em lidar com pessoas: o caso dele não foi a primeira, e aparentemente não será a última, trapalhada da gestão de Recursos Humanos da emissora. Em uma era de redes sociais cada vez mais inflamadas, a exposição provocada pela demissão do âncora só serve para tostar a imagem do canal diante da opinião pública e poderia ter sido evitada com uma saída orquestrada de maneira minimamente mais digna.