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Os dilemas entre a contratação PJ ou CLT na televisão

Emissoras vivem dilema: contratação em regime PJ ou CLT? (foto: Reprodução/Tecnoblog)
Emissoras vivem dilema: contratação em regime PJ ou CLT? (foto: Reprodução/Tecnoblog)

Considerada uma prática comum há vários anos, não só no mercado da TV, mas em vários outros, a contratação no regime de PJ (Pessoa Jurídica) costuma vir à tona em diversas ocasiões – sobretudo quando surgem notas de atores, atrizes e jornalistas ganham ou perdem processos de cifras milionárias por conta dessa modalidade.

Antes de tudo, o que é uma contratação PJ? Por que ela é tão recorrente? Quais são suas falhas?

A contratação PJ é um acordo firmado entre empresas – há um CNPJ para o contratante (no caso, a empresa) e para o contratado. A pessoa física (então representada pelo CPF, o Cadastro de Pessoas Físicas) assume o papel de uma empresa ainda que para isso não tenha que ter uma estrutura de empresa (com departamentos, políticas, fluxos etc). Basta que haja um CNPJ e as demais obrigações legais exigidas.

Quando uma empresa contrata uma outra empresa ela não precisa se preocupar com trâmites como vale refeição, vale transporte, férias, 13º, INSS, FGTS, horas extras, jornada de trabalho de até 44h semanais ou qualquer outro direito trabalhista. Se você, por exemplo, contrata uma empresa para consertar um computador, você não se envolve com nenhum dos trâmites. Você simplesmente recebe uma nota fiscal e paga pelo serviço. Como o dono fez (se envolveu mais pessoas ou se fez sozinho; se foi de madrugada ou de dia; se foi feriado ou não, não é um problema seu).

A contratação como PJ também incide em um imposto de renda muito menor – o que faz com que muitos empregados também se animem.

Não é o objetivo desta coluna imergir em números, faixas de desconto ou outros detalhes trabalhistas e tributários, mas sim apontar um paralelo. Ao mesmo tempo que a contratação como PJ não exige o cumprimento das obrigações citadas, ela também livra o prestador de diversas outras: não há pessoalidade (o prestador pode indicar outras pessoas para o trabalho, já que é uma empresa e a empresa deve fornecer o serviço e não necessariamente a pessoa que irá exercê-lo); não há subordinação (o prestador pode exercer seu trabalho como quiser, sem responder a um chefe);  e desobrigação de cumprimento de horário de entrada e saída.

Tudo isso pode parecer simples, mas destoa bastante da realidade das emissoras de TV. Uma emissora que paga R$ 100.000 para uma atriz protagonizar uma novela, em regime de PJ: essa atriz, quando adoecer ou por um outro motivo qualquer, não pode enviar uma outra para gravar em seu lugar. Logo, há pessoalidade. Essa mesma atriz, quando grava, recebe ordens de diretores, que direcionam seu trabalho de forma contínua e permanente, logo há uma subordinação. Por fim, há um roteiro de gravações, com exigência de cumprimento desse cronograma – então há uma necessidade de se cumprir horários, ainda que muito mais flexíveis que de um celetista.

Contratações nesse modelo sempre existiram porque eram vantajosas para ambas partes. O salário líquido de um PJ é muito mais alto e, no caso de atores contratados por longo prazo, o período de férias poderia chegar tranquilamente a quatro meses dentro de 12 trabalhados, ou até mesmo anos e anos sem pisar em um set de filmagens e com os vencimentos sendo pagos normalmente (ainda que sem o adicional de férias ou a formalização deste período como férias). No entanto, com o avanço da crise econômica e do próprio modelo de negócio do entretenimento, as emissoras passaram a dispensar contratados fixos neste modelo e estes contratados passaram a acionar a Justiça.

Globo e Record tiveram vários casos. Há casos de atores que receberam até R$ 2 milhões por conta desses processos e fizeram um ‘pé de meia,’ com compra de apartamentos e aumento de patrimônio. Um único escritório de advocacia no Rio que chegou a concentrar quase cem processos contra a Record, que já teve que vender imóveis para arcar com as derrotas na Justiça. A Globo sempre foi mais poupada porque, na classe artística, há o temor de processar a maior empregadora de entretenimento do Brasil e ter as portas fechadas de forma permanente.

Nem em todos os casos de processos houve vitória dos artistas. Já houve casos de derrotas pelo fato de os juízes considerarem que a atividade artística pudesse ser prestada por meio de pessoa jurídica; que a contratação era muito benéfica a eles e que, portanto, não havia abuso.

Também há uma certa dificuldade em sustentar a narrativa de que os atores foram enganados ou foram prejudicados. Há casos de atores com 10, 20, 30 anos de contrato que ingressaram com ações após não terem seus vínculos estendidos. Se o contrato era tão abusivo, por que houve a renovação? É possível alegar hipossuficiência (quando não há, para o empregado, o poder de barganha para negociar com o patrão em condições de igualdade), sendo que, no caso da Record, boa parte dos atores já tinha empresa constituída para produção de eventos, aparições em campanhas publicitárias e recebiam cifras exponencialmente acima de um brasileiro ‘médio’?

Pelo sim pelo não, as contratações como PJ vêm sendo cada vez mais raras. Além da exposição a processos trabalhistas, esse modelo passou a ser visto inclusive como vidraça para ataques políticos – em que partidários acusam emissoras de burlarem a legislação e o fisco (o que, dependendo da ótica do operador jurídico, pode ser verdade).

João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 29 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom. É analista de mercado e negócios no TV Pop, com publicação nas manhãs de terça-feira. Converse com ele por e-mail em [email protected]. Leia aqui o histórico do colunista no site e conheça o seu perfil no Linkedin.

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