Nem mesmo um dos mais longevos executivos da Record irá conseguir resistir ao avanço da gestão Cristiane Cardoso. Oficialmente responsável apenas pelo setor de dramaturgia, a herdeira de Edir Macedo tem espalhado tentáculos pelos demais departamentos da emissora, tendo gerência até sobre áreas do Jornalismo e do entretenimento. Dessa vez, uma guerra fria deflagrada entre ela e Walter Zagari, vice-presidente Comercial, deverá culminar com a saída do executivo já no início do próximo ano. Ele está no cargo desde março de 2002 e era visto como insubstituível.
A informação da saída de Zagari foi antecipada em primeira mão pela revista Veja e confirmada pelo TV Pop. Em sua edição mais recente, o periódico garante que a emissora está investindo em uma pesquisa mercadológica para chegar ao melhor nome para ocupar a vice-presidência. “A Record está gastando uma nota para buscar no mercado um executivo que substitua o diretor Walter Zagari”, afirma o texto divulgado em 1º de dezembro pela publicação da Editora Abril.
A reportagem apurou que existe a possibilidade de que o departamento Comercial seja terceirizado. A emissora tem entregado diversos setores para o comando de outras empresas desde 2014 e já extinguiu mais de três mil postos de trabalho — a maior parte dos colaboradores é recontratada logo depois, mas sem vínculo empregatício com a Record. A dramaturgia, por exemplo, passou a ser inteiramente gerida pela Casablanca, enquanto programas do entretenimento foram entregues para a I9TV e para a Teleimage. A tendência é de que apenas o Jornalismo siga sendo feito pela rede.
Apesar de terem um relacionamento cordial nos bastidores, o executivo e Cristiane Cardoso não se bicavam. Ele tem reclamado do sucateamento da dramaturgia, outrora responsável por alguns dos maiores faturamentos da emissora, e se queixado cada vez mais da falta de planejamento em torno das próximas produções do setor. Em outubro, o Notícias da TV antecipou que Zagari não ficou feliz com a chegada de mais uma reapresentação ao horário nobre da rede, e considerou que a movimentação poderia beneficiar os índices de audiência de Um Lugar ao Sol, da Globo.
O medo do vice-presidente da Record não era infundado. Os índices de A Bíblia ainda não chegaram ao seu piso e continuam em queda livre, com uma aproximação perigosa do SBT, que voltou a ganhar território na disputa pela audiência desde que a faixa de novelas infantis voltou para às 20h30. A performance ruim da reprise já tem provocado um efeito cascata no Jornal da Record: ele passou a ser mais visto do que o mexidão de folhetins bíblicos, mas sem o mesmo fôlego de outrora. Nesta segunda (6), o telejornal chegou a ser momentaneamente ultrapassado pelo SBT Brasil.
Trajetória de sucesso
Experiente, Walter Zagari é um dos poucos executivos da Record que não tem vínculo direto com a Igreja Universal do Reino de Deus. Ele é visto como um dos profissionais mais competentes da área comercial de todas as emissoras brasileiras — nas concorrentes, um comentário frequente é de que ele seria capaz de vender até uma geladeira quebrada, e não teria dificuldade em provar ao comprador que ele estaria fazendo um ótimo negócio. Antes de ir para a emissora, ele trabalhou por duas décadas no SBT — e foi superintendente Comercial da rede durante 10 anos.
Aos trancos e barrancos, o executivo conseguiu transformar a Record em uma operação saudável. A emissora reduziu consideravelmente a importância dos valores injetados por Edir Macedo nos cofres da empresa e já consegue ter lucro, mesmo que residual na comparação com a Globo, desconsiderando os aportes pelo arrendamento de horários para a Universal. Zagari, porém, não está entre as crias da atual gestão da rede, praticamente capitaneada por Cristiane, filha de Edir, e Renato Cardoso, genro do bispo e apontado como próxima liderança da IURD.
Diferentemente da dupla, o vice-presidente Comercial defende que a emissora tenha uma programação generalista e com menos espaços destinados para formatos relacionados ao evangelismo, e consequentemente com maior potencial para angariar anunciantes. Renato, por sua vez, já disse publicamente que não aprova e não assiste diversas atrações do canal. “Você não gosta de certos programas da Record? Tem um botãozinho lá no seu controle remoto, você muda de canal. Tem programa da Record que eu não assisto. Eu não assisto por não ter nada pra me dar”, afirmou.
A Record não se comunica com o TV Pop e, portanto, não se manifestou sobre a movimentação para definir a sucessão de Walter Zagari.