Neste domingo, o UOL, por meio do jornalista Fefito, antecipou um iminente acordo entre a Record e a Netflix. As duas marcas irão se juntar na próxima temporada do Canta Comigo, reality de Rodrigo Faro, cuja estreia da próxima temporada ocorrerá primeiramente no streaming para só depois chegar à TV aberta.
Essa não é a primeira parceria da emissora paulista com uma empresa do gênero, já que no ano passado, ao lado da Amazon, foi lançado o Game dos Clones, com Sabrina Sato, no mesmo modelo – primeiro no Amazon Prime Video e depois na TV. Vale lembrar que, além disso, a Record tem algumas novelas, como A Terra Prometida, na Netflix.
As parcerias são bastante interessantes, pois mostram um rejuvenescimento do canal e apontam uma aproximação à geração nativa da programação on demand (crianças e pré-adolescentes que nunca souberam o que é ‘esperar’ um programa ‘passar’) ou a formada por telespectadores que se desacostumaram à programação linear (que é a formada por uma grade de programação). A estranheza se dá pelo fato de a Record ter um serviço de streaming – o PlayPlus, lançado em 2018 com grande pompa em uma imensa campanha publicitária com ares de um novo Globoplay.
Se a Record tem seu próprio serviço de streaming, por que negocia com players internacionais? Ou seu serviço estaria próximo do fim e seria mais uma tentativa frustrada de ingressar neste mundo, como foi o finado Mundo Record? É possível apartar essa discussão do ponto de vista de mercado entre análise interna, envolvendo o produto, e externa, avaliando o que o ambiente que o envolve.
Análise interna: o PlayPlus sempre foi um aplicativo ruim sob ótica de qualquer premissa de UX (user experience), que envolve conceitos de navegabilidade e interação do usuário com o sistema. Se você deseja se logar no PlayPlus pela TV, você precisa percorrer, pelos botões da TV, o seu endereço de e-mail e senha. Não há como ativar por um código, como o Globoplay, o que é muito mais amigável levando em conta que o teclado de uma TV não é como de um celular. Se você erra, o processo é reiniciado do zero – afinal sequer seu e-mail é salvo.
Se você assiste a uma novela no PlayPlus, você precisa se lembrar em qual capítulo parou, pois a interface não avisa. E você precisa percorrer todo o trilho de capítulos para chegar ao qual você está. É totalmente diferente do ambiente do Globoplay, onde você é avisado onde parou.
Os próprios conteúdos também não são dos mais interessantes – e não por culpa de quem os faz, e sim do posicionamento da casa. Com uma grade praticamente voltada para o jornalismo e uma overdose de produções bíblicas há seis anos, há pouco conteúdo de interesse de se ver fora do horário em que esteja sendo transmitido – e o que tem, é mais do mesmo.
Atualmente, o PlayPlus só tem alguma relevância nos tempos de A Fazenda – que, por ser um produto tão forte, o telespectador até aceita passar um pouco de raiva em prol de um pouco de entretenimento, ainda mais no ano passado em que praticamente inexistiam opções inéditas na TV.
Análise externa: existe uma bolha dos streamings que é similar à bolha da internet no começo dos anos 2000 – que estourou, assim como essa bolha irá estourar. O bolso do consumidor não cabe tantos streamings. A Netflix foi a precursora e, ao verem seu êxito, outras concorrentes surgiram – tanto replicando o modelo da empresa, adquirindo conteúdo, como atrapalhando o seu modelo – que é o caso da Disney, que hoje tem seu próprio streaming e vende seu conteúdo diretamente sem intermediários.
Para uma emissora como a Globo, que produz um grande volume de conteúdo – conteúdo este que move o Brasil – é extremamente nocivo abrir mão de um player próprio e sucumbir a parcerias com a Netflix. Por mais que o caminho seja mais fácil, já que lhe pouparia todo o trabalho de pesquisa e desenvolvimento de uma tecnologia (algo que não é o seu core business), haveria uma dependência perigosa uma pela outra.
Essa queda de braço fez com que a plataforma chegasse a pagar US$ 100 milhões por Friends no catálogo em 2020 (uma das séries mais vistas de seu portfólio) e mesmo assim perdê-la neste ano para o novo HBO Max, que será lançado na metade do ano. Mas, dependendo do momento, a Globo poderia estar do lado desfavorecido – e ela não pode se dar ao luxo de depender do humor da Netflix para tal.
Para a Record, a situação seria muito menos complexa. É fato que a Record não terá, nem a curto e nem a médio prazo, um volume de produção de novelas e séries que chegue à metade do que a Globo possui hoje. Também não se enxerga nesse mesmo horizonte que a Record renuncie a uma grade voltada para prestação de serviço e factual para a exibição de um conteúdo mais elaborado e adaptável ao perfil do público de streaming.
Abrir mão do PlayPlus e concentrar suas novelas e realities, como também séries jornalísticas, em plataformas como Netflix pode sim ser uma boa opção não só para rejuvenescer a marca e torná-la mais acessível para o público por aqui, mas também como forma de maximizar o alcance desse conteúdo para todo o mundo.
João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 29 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom. É analista de mercado e negócios no TV Pop, com publicação nas manhãs de terça-feira. Converse com ele por e-mail em [email protected]. Leia aqui o histórico do colunista no site e conheça o seu perfil no Linkedin.