A Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada pela Justiça de São Paulo a devolver aproximadamente R$ 200 mil doados por uma fiel que afirma ter sido coagida a fazer a contribuição para obter um lugar no céu, revelou nesta terça-feira (23) o colunista Rogério Gentile, do UOL. No processo, a professora F.S., de 53 anos, disse ter procurado a instituição no ano de 1999, pois enfrentava problemas pessoais e precisava de orientação. Ela conta que participou de todas as práticas religiosas, fez as ofertas solicitadas e os sacrifícios financeiros por acreditar que, só assim, seria abençoada por Deus.
De acordo com a mulher, ela fez as maiores doações à Universal entre dezembro de 2017 e junho de 2018, repassando R$ 204.500 mil. A profissional da educação, que declarou receber atualmente um salário líquido de R$ 1.500 por mês, disse que os valores entregues à instituição liderada pelo bispo Edir Macedo, dono da Record, eram suas economias de 30 anos de trabalho. Segundo a publicação, os líderes religiosos vinculavam a recompensa divina à entrega do dinheiro. Ela também contou que sempre conviveu com um sentimento de culpa de que estava em falta com a igreja.
“F.S. realizou as doações porque tinha convicção de que apenas se sacrificando agradaria a Deus e teria a sua bênção”, disse a defensora pública Yasmin Pestana, representante da professora. A advogada argumentou que a coação é uma prática que não depende de força física ou ameaça direta, mas pode existir criando-se um “temor” na cabeça da vítima. Em sua defesa, a Igreja Universal negou que tenha coagido a mulher. “A autora [do processo] é maior [de idade] e, portanto, absolutamente capaz de entender e refletir sobre a consequência dos atos praticados, não podendo agora alegar ter sido vítima de coação psicológica, decorrente do discurso litúrgico dos pastores”, disse a instituição.
A Universal também disse que a professora frequentou a instituição por 18 anos, “sendo profunda conhecedora dos preceitos litúrgicos pregados”, e que sempre teve liberdade para escolher outra igreja que melhor lhe atendesse: “Ela sabia das regras de conduta e do ritual propagado”. A defesa da igreja afirmou ainda que o dízimo bíblico, “necessário para o sustento do trabalho religioso”, é uma prática que “remonta milênios” e que “não configura violação à lei ou aos costumes”. Na ação, a Universal também declarou que a mulher se arrependeu de ter feito as doações, mas que isso não é permitido pelos contratos firmados com pessoas jurídicas para doações. “Não pode pretender a devolução do bem e de valores doados por mero arrependimento, uma vez que essas doações foram feitas espontaneamente.”
O magistrado Carlos Bottcher, que analisou o caso, disse que a professora foi, sim, vítima de coação, “considerando as pressões psicológicas empreendidas pelos membros da organização religiosa para realização das ofertas”. O juiz também disse que o Código Civil indica que são nulas as doações da totalidade dos bens de uma pessoa, de modo a afetar a sua subsistência ou que prejudique o direito dos herdeiros. A igreja foi condenada a devolver R$ 204,5 mil, valor que poderá aumentar com a correção monetária e acréscimo de juros desde as datas em que as doações foram realizadas à igreja. A Universal pode recorrer da decisão.