É quase impossível, para não se recorrer à unanimidade, que alguém reclame por ganhar dinheiro demais, por atuar em projetos com orçamento acima do necessário ou por poder se dar a certos luxos porque o dinheiro está sobrando. Quando Faustão saiu da Globo em direção à Band, em momento algum dinheiro foi considerado um problema. Logo de cara, Fausto Silva levou consigo José Armando Vannucci, Beto Silva e Cris Gomes, que eram seus diretores na emissora carioca.
Durante o processo de implantação, outros profissionais foram integrados à equipe, como Anne Lottermann, do mapa-tempo do Jornal Nacional. O estúdio de programas de auditório da Band foi completamente reformado e equipado com câmeras modernas e uma estrutura que não se vê em nenhum auditório fora da Globo. Faustão também contou com a sorte para impulsionar seu programa. Com a Globo praticamente desmobilizando seu banco de atores do modelo de contrato fixo, o animador conseguiu trazer aos seus palcos nomes como Antonio Fagundes, Alexandre Borges, Cissa Guimarães e Camila Queiroz.
Xuxa não teve metade dessa facilidade: acostumada a receber o primeiro time da Globo em seus programas, ao se mudar para Record teve que se contentar com as estrelas da nova casa como Sérgio Marone e Ticiane Pinheiro. Ainda que com toda essa estrutura e naipe de convidados, Faustão não empolgou: após uma estreia empolgante, com 8 pontos de média (oito vezes mais o que a Band registrava no horário com o religioso do missionário R.R. Soares), o Ibope atual oscila na casa dos 3. A marca em si é razoável para os padrões da emissora, mas é desproporcional diante do investimento feito e do peso do nome de Faustão e dos convidados que traz. Colegas de casa, como Renata Fan e Datena, não precisam de grandes esforços para chegar a tal marca.
Os baixos índices de audiência, seguido do anúncio de que o programa deixará de ser diário em 2023, não surpreendem. Esta mesma coluna, em janeiro, antecipou o que era iminente. À época, falei da pouca empolgação do telespectador com programas de auditório; da chegada de Pantanal, que esvaziaria a concorrência; e que dificilmente a atração se manteria diária por muito tempo. A única coisa que eu não esperava era que tudo isso fosse ocorrer tão rápido.
Mas afinal, dinheiro demais atrapalhou o Faustão na Band?
O grande problema do Faustão na Band está na falta de alinhamento de expectativas, que passa pelo desconhecimento do público. O potencial da Band foi inflado a um patamar que jamais pertenceu a ela — e inclusive sequer havia estrutura de grade para sustentar uma audiência diária na casa dos 8 pontos, como na estreia. Ao praticamente espelhar a estrutura que tinha na Globo, os diretores de Faustão precisavam fechar as contas. Para isso, seria necessário um programa diário: com cinco dias por semana, as possibilidades comerciais são maiores, afinal há mais intervalos comerciais e possibilidade de recuperar esse dinheiro.
Mas faltou combinar com o público, que estava acostumado a ver Faustão apenas uma vez por semana e aos domingos. Faustão tem incontáveis méritos, mas não tem força suficiente para tirar pontos de novelas, atração favorita dos brasileiros. Menos ainda em uma faixa em que o público está acostumado com novelas e não com um programa de auditório. Sem grande audiência, Faustão deixou de ter tanto apelo publicitário.
Por mais que seja um nome querido no mercado publicitário, empresa alguma rasga dinheiro. Faustão, assim como qualquer programa de TV, vai ser remunerado comercialmente de acordo com a sua audiência e o perfil dela. Se sua audiência é de 3 pontos, por mais qualificado que seja seu público, o seu universo de consumidores está limitado em 3 pontos. Não há como tirar leite de pedra.
Diante desse cenário, o Faustão na Band virou uma atração deficitária. Sua estrutura talvez se pagasse e gerasse lucro com 8 pontos. Logo, com 3, o prejuízo é certo. E por isso que tantos cortes e mudanças estão sendo anunciados. Qualquer executivo com o mínimo conhecimento de elasticidade e da realidade da Band enquanto TV saberia que manter 8 pontos não seria viável, mesmo com o caminhão de dinheiro despejado no programa.
E também saberia que seria possível ter números não tão descolados dos atingidos hoje com muito menos dinheiro. Silvio Santos é especialista nisso: seu próprio programa, suas novelas e sua programação nunca foram nababescas como os produtos de concorrentes próximas, como a Record, mas sempre tiveram competitividade. A Record sempre gastou muito mais para um resultado não tão superior — e às vezes até inferior ao do SBT.
Band não aprendeu com a Record
Todo esse sufoco atravessado pela Band agora também poderia ter sido evitado se a emissora tivesse estudado os erros da concorrência no passado. A Band cometeu com Faustão o erro que a Record cometeu por duas vezes no passado até que recente, com Gugu Liberato em 2009 e Xuxa em 2015. Gugu tinha uma estrutura milionária na Record. Mas as contas, à época, foram feitas pensando em uma audiência próxima a do Fantástico — e aí sim talvez fechassem. Após estrear com 16 pontos contra 22 da Globo, seu Ibope caiu para a casa dos 9.
Silvio Santos, com um programa muito mais barato, dava o mesmo. Gugu mudou de horário. A Record, sem saber o que fazer, propôs uma rescisão amigável ao apresentador. Sem dinheiro em caixa, o canal teve que oferecer um helicóptero que usava em suas coberturas jornalísticas como parte da multa. Xuxa também passou pelo mesmo. Em 2015, foi contratada e anunciada com grande empolgação e investimentos. Após estrear com 10 pontos, os índices caíram até se estabilizarem na casa dos 5. A conta também não fechou e em um ano e meio a apresentadora perdeu o programa e passou a apresentar formatos fechados até sair da Record, no começo de 2021.
A empolgação dos executivos de TV, somado ao desconhecimento da realidade a qual estão inseridos, é a culpada por desgastes como esses presenciados na nossa TV. Faustão é extremamente talentoso e ainda tem pique. Mas sozinho não é capaz de levantar uma emissora que não tem novelas nem nenhum grande chamariz diário em sua programação. Uma pena que a Band só descobriu isso agora.
João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 29 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom. É analista especial de mercado e negócios no TV Pop, fazendo participações sempre que necessário. Converse com ele por e-mail em [email protected]. Leia aqui o histórico do colunista no site e conheça o seu perfil no Linkedin.