Mesmo em um momento de certo desprestígio comercial, o Rock continua sendo um dos gêneros musicais mais famosos do mundo. E continuará sendo. O que torna tudo meio confuso, mas é que a amplitude que o rock ganhou faz isso ser possível. Ele é um dos poucos gêneros que possibilita esse tipo de intercâmbio cultural com outros gêneros, assim como o pop, e tem um espaço cativo além de continuar bem familiar para o público.
O Rock, como cada um particularmente conhece, precisa de uma aquecida. Mas existem tantas ramificações e que sempre funcionaram muito bem ao mesmo tempo que será o motivo para que o gênero continue vivo para alimentar muitos sonhos de bandas de garagem e cantores e cantoras com as vozes mais excêntricas e fortes que já ouvimos e vamos continuar ouvindo. Talvez o problema seja o fato de o rock olhar muito pouco para si e não reconhecer certos dilemas.
O gênero surgiu de uma fusão de country, blues, R&B e gospel, nitidamente influenciado pela cultura negra dos Estados Unidos, com uma pegada mais elétrica que acústica, tendência que persiste até hoje. Aqui, vai um adendo: a popularização do rock aconteceu por figuras brancas mas com o trabalho de pessoas pretas, tendo suas músicas regravadas e até repaginadas porque o rock passou a se tornar cool, longe da visão segregacionista que o tratava com certo desprezo, mas que obviamente influenciou o trabalho de diversos dos ícones que vieram daí em diante.
E foi de artistas pretos que o rock ganhou uma postura mais sexual, mais política, mais consciente. Até o tipo de performance aplicada com mais força, vigor e uma marra que deixa tudo mais charmoso. Essa performance foi se adaptando com o tempo, tornando o gênero mais ligado à contracultura na medida em que seu som se tornava mais maduro, sombrio e extremamente ligado aos movimentos de direitos civis. Isso refletiu no mundo inteiro e no Brasil essa movimentação era exatamente a mesma, o que deu uma percepção de que o rock era um gênero subversivo.
Hoje, a partir do que percebemos dos fãs de heavy metal e punk, essa subversão não existe. Pelo menos, não mais. Existe um certo moralismo ao lidar com gêneros atuais como o funk carioca e o hip hop, além de se levar à sério como um dos únicos gêneros musicais capazes de ser elencados como parte do conceito de cultura, o que definitivamente não era uma das prioridades para os artistas dos anos 60, 70 e 80, mesmo com toda a recepção do público que tornou o rock um gênero mainstream.
Exatamente por isso, o rock precisa olhar mais para si e suas origens e entender que sem uma base de artistas conscientes e com uma rebeldia que os fazem não querer seguir as regras do jogo da indústria é impossível elevar o status do gênero. Muito menos sem abraçar a diversidade que o fez ser reconhecido pelo controverso e inovador, o que passa diretamente por recortes raciais, de sexualidade, gênero e social.
Como já foi destaque nesta coluna, o pop punk está prestes a se tornar uma tendência novamente, e com o trabalho de artistas pretos como Willow Smith e Trippie Redd, que já são reconhecidos por trabalhos em outros gêneros e tem buscado certa versatilidade com o rock. O significado disso hoje em dia é muito maior do que a gente possa imaginar, num mundo em que as leis não reafirmam a segregação racial e as pessoas finalmente podem se sentir representadas por figuras que tenham destaque também na cultura mundial, inclusive num palco cantando rock, com um figurino extravagante e que todo adolescente vai querer copiar. Afinal, todo dia é dia de rock, bebê!
Gabriel Bueno é publicitário de formação, atua no mercado desde 2013 nas áreas de criação, mídia e produção. Viciado em acompanhar música, sempre disposto a comentar premiações, álbuns, videoclipes e tudo que envolve o meio musical. É o autor da coluna Decifrando, publicada no TV Pop semanalmente. Siga o colunista no Twitter: @GabrielGBueno_. Leia aqui o histórico do colunista no site.