Imagina que você tem um sonho de fazer e viver de música e o quanto isso te faria feliz. Você decide se inscrever em um programa de TV que lança novos talentos, assim como vários que existem no Brasil e mundo afora. O seu talento é reconhecido pelos jurados, mas eles acreditam que você teria mais sucesso em um grupo com outros participantes.
Então esse sucesso se confirma, você e os outros ganham o programa como grupo e uma carreira toda passa a ser planejada a partir do momento que aquela câmera desliga e você não sabe nem o que a sua vida vai se tornar. E, além disso, você começa a receber mensagens que te diminuem, criticando o seu talento e principalmente a sua aparência. Essa cobrança passa a não ser só mais dos outros, mas se torna uma cobrança que você faz de si mesmo, do quanto você precisa melhorar seudesempenho vocal e o quanto você precisa estar bonito, magro e mais parecido com os outros membros do grupo para ser socialmente aceitável e não ser um estranho no ninho. Mas não era pra ser um sonho? Não era pra ser a sua realização profissional e pessoal? Como você poderia conquistar aquilo que tanto quis e ainda assim precisar mudar para que finalmente seja aceito? Isso aconteceu por 9anos com Jesy Nelson, ex-membro do Little Mix, grupo revelado na versão britânica do reality show The X Factor.
Esse é um assunto difícil, mas que vale a pena ser discutido. O fato é que a saúde mental de uma artista, parte de um dos grupos musicais mais bem-sucedidos do mundo, foi afetada por comentários em redes sociais, trazendo diversas questões para a cantora, como ela mesma abordou em seu premiado documentário, “Jesy Nelson: Odd One Out”. Tive a oportunidade de assistir e perceber que eu sou fã de uma mulher vulnerável e afetada diretamente por absurdos que as pessoas pensaram que podiam dizer sobre ela, seu rosto, seu corpo, sua voz e tantos outros componentes de sua existência e até de sua profissão. Jesy se tornou uma pessoa autocrítica ao extremo e capaz de se sabotar em níveis até insanos, simplesmente por começar a acreditar no que seus críticos diziam sobre ela. Em todo o documentário, há momentos em que Jesy expressa seu descontentamento com os figurinos, quando sente que eles a deixam gorda e feia, além de se obrigar a regravar sua parte em uma gravação com o grupo em um estúdio, por achar que pode fazer melhor do que havia feito anteriormente. Aquela que deveria ser a melhor experiência da vida de Jesy acabou por se tornar um pesadelo que ela não conseguia mais evitar.
Quase dois meses após seu desligamento do girlgroup, Jesy passou a postar fotos esporadicamente em seu Instagram, em que aparece com um visual totalmente diferente do que apresentava enquanto estava em atividade. Os cabelos agora são ondulados, com bastante volume, e em algumas fotos ela usa pouca ou nenhuma maquiagem. A pressão estética que ela sentiu por tantos anos agora não existe mais e ela sabe que há milhões de fãs que só querem o seu bem. O grupo continua em atividade, tendo remarcado alguns dos shows da próxima turnê para abril do ano que vem, dessa vez em trio. Tudo isso acontece depois de um início de ano triunfante para o grupo, em que o álbum “Confetti” continua como um dos 20 mais vendidos do Reino Unido e o single “Sweet Melody” se tornou a quinta música do grupo a alcançar o primeiro lugar. Durante a comemoração do feito, Jade Thirlwall disse que foi uma conquista muito especial por ser o último trabalho do grupo com a presença de Jesy.
Talvez o sucesso possa fazer muitas pessoas se deslumbrarem, se sentirem especiais, amadas, únicas e extremamente talentosas. Algumas vezes, ele pode tirar tudo isso das pessoas. Nem sempre a melhor maneira vai ser buscar se refugiar no que há de bom, porque realmente há muitas coisas boas, muitas conquistas, muita realização. Mas abdicar do sucesso é um extremo que só faz sentido se você realmente quer que as coisas voltem a ser mais simples e que os motivos que te fazem se sentir mal simplesmente desapareçam. Isso nunca vai apagar os seus feitos, pois eles foram alcançados com muito esforço. E o seu coração vai aceitar que, mesmo longe dos palcos, a sua marca nesse mundo foi deixada e milhões de pessoas foram e serão influenciadas pela sua coragem. Eu fui e sou, Jesy.
Gabriel Bueno é publicitário de formação, atua no mercado desde 2013 nas áreas de criação, mídia e produção. Viciado em acompanhar música, sempre disposto a comentar premiações, álbuns, videoclipes e tudo que envolve o meio musical. É o autor da coluna Decifrando, publicada no TV Pop nas manhãs de quarta-feira. Siga o colunista no Twitter: @GabrielGBueno_. Leia aqui o histórico do colunista no site.