Protagonista do maior buzz envolvendo a troca de emissora que se tem notícia na TV brasileira, superando até mesmo a saída de Gugu Liberato do SBT rumo à Record em 2009, Faustão estreia o “Faustão na Band” hoje repleto de expectativas e curiosidades por parte do público. É o seu regresso à emissora que o projetou nacionalmente nos anos 80. Ele assumirá um programa diário após mais de três décadas aparecendo na casa dos telespectadores aos domingos. Por quê? Existem duas respostas para esta pergunta.
O site Metrópoles, em novembro do ano passado, alegou uma cláusula de contrato na Globo que impede Faustão de comandar uma atração dominical pelo período de um ano após um eventual desligamento. O dispositivo contratual pode parecer estranho — afinal, por que um contrato que se encerrou no dia 31 de dezembro de 2021 ainda possa exigir algo de uma das partes após este prazo? No mundo corporativo, logicamente por outros motivos, essa estratégia é bastante comum.
Executivos de alto escalão, como os chamados C-Level, costumam assinar contratos em que se comprometem a não migrarem para concorrentes durante uma janela de tempo. Isso ocorre para evitar que estratégias da atual companhia deem munição à nova na disputa de mercado. No caso de Faustão, o recado da Globo é claro: quanto mais longe dos domingos, dia que se consagrou, menos trabalho ele poderia dar para a emissora carioca.
A segunda resposta está nas receitas. Um patrocinador remunera a emissora de TV pela quantidade de mídia entregue. Quanto mais mídia, maior o valor. É claro que um programa semanal tem uma tabela mais alta que um diário, mas não a ponto de compensar cinco edições semanais. Caso tenha três intervalos comerciais (um número bem razoável para um programa de duas horas), e cada intervalo tenha quatro inserções nacionais, Faustão entregará 60 inserções em uma semana — ante 12 de um programa semanal. A modalidade de programa semanal só faria sentido se o valor das inserções semanais fosse ao menos cinco vezes superior ao das inserções diárias.
A concorrência
Faustão vai estrear em um ótimo momento. Ainda que vá disputar com o Jornal Nacional e novelas na Globo, Record e SBT, o cenário atual é o mais favorável possível: nunca uma novela das nove deu uma audiência tão baixa como Um Lugar ao Sol, que rende 23 pontos, bem longe dos 30 que a Globo considera como mínimo satisfatório. Além disso, a Record está exibindo reprises até a estreia de Reis, prevista para fevereiro, e o SBT reprisa Carinha de Anjo, que nem em sua exibição original empolgou, enquanto produz Poliana Moça, que estreia só em abril.
Mas esse cenário não se perpetuará para sempre. A Globo vem com Pantanal em março, sua grande aposta, e uma novela de Walcyr Carrasco, que é praticamente uma garantia de ibope, não deverá tardar a vir — o que reduzirá drasticamente a concorrência.
Casting
Faustão também estreia em um ótimo momento para se ter grandes convidados. Além de o programa ser gravado, o que possibilita que cantores participem do programa sem que tenham que abrir mão da agenda de shows, o apresentador conta com uma grande leva de celebridades de primeiro time que perderam seus vínculos fixos com a Globo. Sem perder muito tempo com pesquisa, é possível listar ao menos dez nomes que poderiam tranquilamente comer uma pizza com Faustão além de Camila Queiroz e Antonio Fagundes, que já gravaram: Grazi Massafera, Letícia Spiller, Lázaro Ramos, Angélica, Ingrid Guimarães, Reynaldo Gianecchini, Tiago Leifert, Nathalia Dill, Bruna Marquezine e Tino Marcos.
Hábito
TV é hábito, mas existem formas de se correr mais ou menos riscos. Quando uma emissora de TV opta por uma novela, ela está ciente dos altos custos de produção e de que, por piores que sejam os índices, ela dificilmente ficará menos de cinco meses em cartaz. Mas ao mesmo tempo, uma novela bem aceita garante audiência ao canal por quase um ano independente do que a concorrência faça.
Ao recorrer a um programa de auditório diário, que são bem mais baratos que uma novela, por outro lado se assume outro ônus: por mais que o telespectador assista à edição de segunda, não há garantia de que ele assistirá na terça. Criatividade para se ter temas e convidados relevantes é uma luta sem fim. O telespectador também não tem se empolgado tanto com programas de auditório. Ratinho, Adriane Galisteu, Luciana Gimenez e Gilberto Barros já tiveram seus shows diários e apenas o primeiro sobreviveu. A Record, por diversas vezes, já sonhou com Geraldo Luís todos os dias — mas a tentativa com o A Noite é Nossa sequer deu conta de uma edição semanal no dia mais fácil da semana: as noites de quarta (onde há concorrência com futebol).
Expectativa
Dificilmente o Faustão na Band irá permanecer no ar, de segunda a sexta, por muito tempo. Com 71 anos e dono de uma fortuna milionária, Faustão provavelmente migrará para os domingos assim que puder ou recorrerá à aposentadoria. Não existem motivos para que Faustão, a essa altura da vida, precise se estressar com a pressão por audiência ou por qualquer outro problema que uma atração, ainda mais diária, possa lhe acarretar.
Mas há de se reconhecer que é uma iniciativa ousada e representa um grande frescor na TV aberta, que há anos vem sendo esvaziada e cujo processo de enxugamento se acelerou durante a crise sanitária.
João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 29 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom. É analista especial de mercado e negócios no TV Pop, fazendo participações sempre que necessário. Converse com ele por e-mail em [email protected]. Leia aqui o histórico do colunista no site e conheça o seu perfil no Linkedin.