Na última sexta-feira (12), o jornalista Ricardo Feltrin publicou uma interessante matéria sobre mais um ano de encolhimento das operadoras de TV paga: perda de 828 mil clientes – ou, 5,6% da base total existente. É como se uma cidade como João Pessoa, na Paraíba, uma das 30 maiores do Brasil, simplesmente tivesse deixado de assinar os serviços de uma TV paga apenas no decorrer de 2020.
O que acontece com a TV paga é muito claro: enquanto todos os segmentos de entretenimento passaram por uma mudança radical na forma de aquisição e distribuição de conteúdo, a TV paga pouco mudou e segue inerte em um modelo dos anos 90 que atende às operadoras e programadoras (terminologia dada às empresas ‘donas’ dos canais, como a Globosat, que é detentora da GloboNews, GNT, etc; e Viacom comanda a Nick, Comedy Central, entre outros), e esquece de atender à principal ponta: o cliente.
De uns anos para cá, as teorias de marketing passaram a fortalecer premissas como ‘cliente no centro’, ‘foco no cliente’, ‘experiência do cliente e outros neologismos, como se a relação cliente e fornecedor não existisse desde o começo da humanidade. E mesmo com essa onda de mercado, a relação na TV paga continua sendo nociva para o cliente e este, vendo que há outras opções de aquisição de conteúdo, está desistindo das operadoras.
Resgatando o que havia explicado na minha primeira coluna, que abordava a CNN Brasil, operadoras como Sky e Claro, que respondem por mais de 70% do mercado de TV paga no país, funcionam da seguinte forma: elas adquirem canais de programadoras, que são remuneradas por cliente ou milhar de cliente. Se um determinado canal custa R$ 0,30 e há 5 milhões de clientes, a programadora detentora deste canal receberá R$ 1,5 milhão por mês desta operadora.
O problema é que o telespectador não tem controle dos canais que irá adquirir. O pacote inicial da Sky, por exemplo, se chama Easy HD e custa R$ 99 por mês com direito a 136 canais. A começar por aí: nenhum cliente se interessa por 136 canais. Na verdade, dificilmente alguma pessoa, por mais atenta que seja ao mercado de entretenimento, saberá nomear 36 canais – dirá 136. Neste caso, há 23 canais obrigatórios (os abertos, como Globo, Record, SBT, etc), 9 de cortesia (Shoptime, Futura, Polishop, etc), 6 públicos e 80 canais de rádio e áudio (que são anunciados como se não houvesse YouTube, Spotify ou algo do gênero) e o restante são os canais que, de fato, são pertencentes ao pacote.
Há o Canal Brasil, Sony, Warner, Universal, SporTV, Discovery, NatGeo, Multishow, entre outros. Mas não há nenhuma forma de composição que permita o cliente a escolher quais canais ele deseja adquirir. Se eu adoro filmes e séries e não me importo com esportes e variedades, não consigo comprar um pacote que me traga uns 30 canais de filmes e séries e nenhum de esportes e variedades. Sou obrigado a comprar um pacote mais caro, que vai me entregar mais canais de filmes e séries, mas também mais canais de esportes e variedades – que não me teriam serventia alguma.
A explicação disso é totalmente corporativista: a operadora força o assinante a pagar pelo pacote mais completo, que chega a ter 211 canais no caso da Sky, mesmo que só venha a consumir 30 (o que já é um número alto). E as operadoras trabalham dessa forma porque, apesar de haver mais de 200 canais no portfólio, há um número baixíssimo de programadoras (só a Globosat responde por mais de 20 canais) – e, portanto, quanto mais canais as operadoras comprarem, menor é o preço da unidade diante do montante (que é a mesma estratégia de qualquer compra em grandes quantidades – você tende a pagar menos pela unidade).
Esse modelo é tão difícil de ser rompido que as operadoras passaram a investir em novos negócios ou turbinar suas assinaturas com vantagens para que os clientes não cancelem. Além dos agressivos descontos ofertados na retenção, há serviços como o Now (uma espécie de locadora de conteúdos à disposição do cliente quando ele quiser) ou o Directv Go (que entrega um serviço muito parecido mas pela internet, dispensando cabos, antenas e decodificadores). Mas, novamente, a essência não foi rompida.
Ou o preço se reduz drasticamente para o cliente continuar adquirindo o que não irá ver (como ocorre na Netflix – nem todos assistem todos os gêneros, mas como o preço é baixo, não há incômodo por isso) ou o modelo de negócio é alterado para que o cliente possa escolher o que quer assistir e pagar por isso. Enquanto não houver uma ruptura desse modelo de negócio, a TV paga tende a continuar naufragando.
Mas aos apressados: esse movimento não será tão célere quanto se imagina. Nos grandes centros, a sangria deve continuar acelerada. Mas no interior do país, onde o cabo não chega, as operadoras por satélite dominam e as velocidades de internet ainda são muito baixas para suportarem um streaming por Globoplay ou Netflix, a TV paga continuará forte por mais alguns anos até que essa carência seja suprimida.
Também é importante apartar: TV paga, neste caso, é um canal de distribuição e não um conteúdo. O conteúdo sempre tende a prevalecer. Inclusive há casos de programadoras que estão vendendo seus conteúdos de forma direta, sem o intermédio das operadoras, como é o caso da própria Globo e da HBO. Se o conteúdo for relevante e tiver um preço justo, o cliente irá comprar. O que o cliente não aceitará mais é um modelo engessado que privilegia a todos menos a ele: o dono do dinheiro.
João Gabriel Batista é publicitário, com pós-graduação em Marketing and Sales na Escola de Negócios Saint Paul e MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Tem 29 anos e atua com marketing há 11, com passagens por veículos de comunicação, como emissora de TV, rádio e jornal, e multinacionais do segmento de telecom. É analista de mercado e negócios no TV Pop, com publicação nas manhãs de terça-feira. Converse com ele por e-mail em [email protected]. Leia aqui o histórico do colunista no site e conheça o seu perfil no Linkedin.